O artigo pretende oferecer uma sistematização e estruturação do pensamento para que, num sistema, a procura da zona que detém a restrição possa ser fiável e em tempo útil. Trata-se de um passo fundamental de qualquer empresa porque possibilita-nos identificar a zona de alavancagem da mesma, e deixar claro onde os projetos futuros deverão ser executados.
Palavras-chave: restrição, ponto quente, estratégia
Enquadramento
No artigo «A gestão da mudança não serve para nada» falou-se da solução que deve ser adotada pelas empresas que apostam em programas de melhoria contínua. A solução é: «desenvolver projetos de melhoria APENAS onde a estabilidade atual estiver abaixo das expetativas de quem aí trabalha E corresponda a um ponto de alavancagem da empresa».
Explico agora como identificar a área / departamento que detém esse ponto quente ou a restrição.
Metodologia
Por onde começar? Seja uma organização com ou sem fins lucrativos é vital que o cash buffer cubra todas as obrigações para pelo menos as próximas semanas. De contrário, a empresa corre sérios riscos de falência. O primeiro checkpoint na senda de encontrar a área que detém a restrição é por isso:
Será difícil pensar em melhorar o marketing ou a produção se o cenário de falência estiver à vista. Se a resposta for afirmativa esta situação trará consigo uma grande instabilidade e níveis de perceção ao stresse elevados.
O Titanic está a afundar-se e ninguém quer saber se a mesa no primeiro deck está torta ou se o garfo está paralelo à faca.
Repare-se ainda que a resposta à pergunta do losango só deve ser afirmativa se todas as condições nela descritas se verificarem. De contrário, poderemos estar mais perante um incómodo do que uma restrição. Se a resposta for negativa (e assim se espera) o losango seguinte diz respeito à gestão das pessoas. Novamente, esta deverá ser a segunda situação onde o nível de instabilidade é maior:
Tal como no losango anterior, apenas uma resposta afirmativa a todas as condições deverá indicar que o modo de gerir as pessoas é o ponto quente da empresa. Para a resposta à pergunta não ficar ao nível das opiniões, é importante confirmar se os efeitos previstos estão presentes. Ou seja, no caso de ser verdade que a restrição está na gestão das pessoas, que efeitos observáveis deveríamos testemunhar? Deixa-se uma lista de pontos como guia. Quanto maior o número de respostas afirmativas, mais evidências para se considerar que a restrição está na gestão das pessoas:
elevado turnover?
testemunhos de discussões recorrentes entre colegas?
atividades de recrutamento sempre a acontecer?
greves?
elevado absentismo?
questionários de satisfação dos colaboradores com baixa pontuação?
Muitos ‘fogos’ para apagar?
O próximo losango diz respeito à gestão das operações. Por exemplo, na indústria esta área coincidirá com a produção. Numa empresa de desenvolvimento de software a área deverá corresponder à própria gestão de projetos. Nos grossistas ou retalho a gestão das operações é a distribuição e a logística. Assim, se a restrição não estiver na gestão das pessoas a pergunta que se coloca é:
Novamente, quanto maior o número dos efeitos previstos presentes, maior a probabilidade da restrição se situar nas operações ou fornecedores. Algumas questões podem ter que ser customizadas em função do negócio específico sob análise:
prazos de entrega não são cumpridos?
número elevado de reclamação de clientes?
muitas ordens por serem satisfeitas (clientes em espera)?
elevado trabalho em processamento pelo chão de fábrica / backoffice?
necessidade de recorrer a horas extraordinárias para satisfazer o cliente?
elevados tempos de espera por falta de matéria-prima ou informação vinda do fornecedor?
Se até aqui não foi identificada a área que detém a restrição significa que a mesma é externa à empresa. Isto é, ou ela está no marketing ou está nas vendas. Goldratt diferencia estas áreas muito claramente mediante as seguintes definições:
Marketing é trazer o mercado a ponto de desejar o produto ou serviço. Vendas é...fechar a venda.
Por que razão deveremos analisar o marketing primeiramente? Difícil será aumentar a eficácia da venda de um produto ou serviço que o cliente pouco deseja. O negócio ficará a ganhar se utilizarmos o conceito «qualidade na origem». Primeiro a empresa deve satisfazer uma necessidade significativa do mercado e só depois preocupar-se com a venda.
O cliente procura sempre valor nas transações que efetua. Se a resposta à pergunta no losango for idêntica à da concorrência, o cliente deixa de ouvir e tomará uma decisão com base no preço, porque todos estarão a dizer a mesma coisa: «somos uma referência nesta área», «temos uma grande reputação», «os clientes confiam em nós» ou seja, blá blá blá para abreviar. A única forma para soar diferente é o marketing conseguir satisfazer uma necessidade relevante do cliente, quando a concorrência não consegue ou não quer satisfazê-la. Eis os efeitos previstos no caso da restrição se situar no marketing:
há capacidade de se produzir toda a procura, sobrando tempo no final da semana/mês?
é raro novos clientes virem ter com a empresa; a empresa é que tem de procurar novos clientes?
baixo número de leads e baixa taxa de conversão?
concorrência feroz – guerra de preços, segmentação de mercado com soluções pouco customizadas?
falta de foco nos não-clientes?
Finalmente, as vendas. No caso de todas as respostas às perguntas dos losangos anteriores serem negativas significa que o ponto quente estará no modo como as vendas são geridas.
Os efeitos previstos serão:
As leads devem ser altas, mas a taxa de conversão é baixa?
O processo de vendas não está desenhado?
Não existe um sistema de priorização das leads?
Conclusão
Longe vão os tempos de quando, para nos mantermos na corrida, era suficiente dizer às pessoas para ‘não usarem a cabeça, mas apenas as mãos‘. É por isso preciso ganhar a adesão dos intervenientes ao se demonstrar onde devem ser colocados os esforços futuros. Sabe-se que explorar a restrição conduz tanto ao maior retorno dos esforços (maior crescimento) como à redução do stresse (maior estabilidade). Devemos reconhecer que as melhorias em pontos de não-restrição conduzem, na melhor das hipóteses, a ganhos incrementais, não compensando o esforço – na realidade, nestas situações, muitas vezes o sistema sai prejudicado. É por isso inevitável reconhecer e confirmar a área que «detém» a restrição. Acredita-se que contrapondo a realidade com os efeitos previstos de cada etapa é possível, de forma muito rápida, identificar onde está o «ponto quente», para que então se desenvolva uma análise localizada e profunda.
REFERÊNCIAS
[1] Castro, Ricardo A. (2014) O Proveito da Dúvia – troque o peixe pela cana de pesca. Leanub.
[2] Cox III, J., Schleier, J. (2010). Theory of Constraints Handbook. McGraw-Hill.
[3] Goldratt, Eliyahu M. (1984). The goal. North River Press.
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