O artigo pretende mostrar que mesmo para empresas que já têm linhas de montagem, tapetes rolantes (…) é possível, com os mesmos recursos, obter-se ganhos de produtividade reais muito superiores.
Palavras-chave: variabilidade, linha de montagem, operações.
Enquadramento
Os especialistas em Lean não sabem o que andam a fazer. Tentando ser Taiichi Ohno sem o serem, o que andam a fazer é a transformar fábricas convencionais, em fábricas de fluxo (mais) contínuo, a partir de um sistema Kanban. Mas, em vez de controlarem o inventário total, acabam por estrangulá-lo cada vez mais, entre cada duas estações de trabalho consecutivas. Com isso, as pessoas começam a queixar-se que não conseguem trabalhar e que estão a perder capacidade, ainda que os pseudo discípulos de Ohno tentem sossegar tais preocupações, afirmando que no global a empresa sairá a ganhar. Os especialistas estão a fechar os olhos ao impacto negativo que um sistema Kanban está a ter na capacidade da fábrica, como um todo. É claro que ao início os ganhos são evidentes, mas o que acontece a seguir, quando a Lean se transforma num dogma, ao estilo: precisamos atingir "one piece flow!"? Ao continuarem a reduzir as quantidades e o inventário entre estações, deixa de haver proteção entre elas e, qualquer "soluço" faz parar toda a linha, muito rapidamente. Em termos estatísticos, a capacidade da fábrica deixa de ser proporcional à capacidade média das estações, para se transformar numa capacidade muito inferior a essa média.
Tem ideia do impacto que isto tem no lucro líquido da sua empresa?
Para entendermos muito melhor o último argumento, usemos o seguinte esquema. Não é tão importante o que se está a produzir, mas sim reconhecer que a velocidade de toda a linha será igual à velocidade do tapete, porque quando uma unidade é processada numa estação, todas as outras precisam de avançar para a próxima estação.
Fig. 01. Uma linha de montagem - cada estação tem o 'mesmo' tempo de ciclo t/c.
Problema
Na figura, cada carro ocupa uma estação e por isso há 4 estações representadas. A barra azul simboliza o tapete rolante. Admitamos que num plano teórico se considera que o trabalho planeado de cada estação é tal, de modo a serem necessários 66 segundos para o realizar, por carro. É claro que na realidade existe sempre uma variabilidade e, pode ser que de quando em vez os 66 segundos se transformem em 100 segundos ou até mais (por exemplo, a falta de material levaria a isso).
Mais à frente mostramos a curva de probabilidade de uma estação, mas o que está para já esta figura a sugerir? Uma vez que não há praticamente espaço entre duas unidades (afinal o objetivo é ter-se one piece flow!), e tudo avança ao mesmo ritmo, sempre que numa estação existe um imprevisto (negativo), os operadores têm que acompanhar o carro, uns metros mais, para conseguirem concluir o trabalho. O que acontece se forem mal sucedidos? A linha terá mesmo que parar.
E ao parar, não se para uma só estação, mas todas as estações. Por outras palavras, perde-se capacidade, perde-se throughput, perde-se dinheiro. E é claro que os imprevistos podem e acontecem em qualquer estação. Então se assim é, qual deve ser agora a velocidade do tapete? Se o tapete varrer uma estação em 66 segundos, estaremos constantemente em modo para-arranca. Para ajudar a responder a esta questão, olhemos para aquilo que pode ser a distribuição de probabilidades do tempo de ciclo de uma estação.
Fig. 02. Probabilidade do t/c em minutos ser X, numa estação, com um certo carro.
A figura mostra que é impossível fazer o trabalho de uma estação em menos do que 60 segundos. O traço a vermelho representa a capacidade média de uma estação, mas não é de todo impossível que o trabalho seja feito em 1,7 minutos ou até mais.
Quando a proteção entre estações é muito reduzida (visão one piece flow), a capacidade da linha não é mais dada pelo valor médio do tempo de ciclo de uma estação, mas sim pelo pior desempenho de todas as estações, num certo momento.
Por outras palavras, sente-se na pele a interdependência existente entre as estações e o que passa a contar para a capacidade da fábrica é a cauda da curva apresentada e não o seu pico. Pode ser que num instante o pior desempenho seja por causa da estação 54, e quinze minutos depois o pior desempenho se deva à estação 131, etc. Para aqueles mais familiarizados com os conceitos de estatística, se o planeamento da produção colocasse o tempo de ciclo de todas as estações em 66 segundos e, havendo 200 estações no total, a probabilidade de se ter um tempo de ciclo inferior ou igual a 66 segundos em todas as 200 estações seria de 0%. Por isso, a pergunta começa a ser: qual o tempo que se deve dar a uma estação, para que não se esteja a parar consecutivamente a linha? Ou, se quisermos, qual é a verdadeira capacidade da linha de montagem?
Pela distribuição anterior, sabe-se que a probabilidade de uma só estação demorar menos do que 2 minutos é de 99,97%. Ou seja, mediante uma visão simplista (considerando eventos independentes entre estações), a probabilidade de TODAS as estações operarem com valores inferiores a 2 minutos é igual a 0,9997^200 = 94%. Se quisermos, há a necessidade de parar 6 vezes a linha, em cada 100 carros produzidos, se o tempo de ciclo planeado por estação for de 2 minutos.
O que nos diz isto de imediato? Que passámos de uma capacidade potencial de 66 segundos para uma capacidade mais real de 120 segundos. Quase duas vezes menos de capacidade do que se poderia ter.
Novamente: em vez da velocidade da linha poder ser de 66 segundos, ela precisa ser inflacionada para perto do seu dobro ou até mais. Subitamente, com esta ideia de poupar espaço e de se promover o princípio "one piece flow" é bem possível que a sua fábrica esteja com metade da capacidade do que poderia ter. Não acredita? E, como a comunidade de Lean não entende o que anda a fazer, no início os resultados aparecem, mas quando se sente que a verdadeira implementação está a todo o vapor, é aí que a fábrica mergulha num verdadeiro impasse ou estagnação (um eufemismo, se não quisermos falar em perdas).
Ohno, quando se referia a reduzir o desperdício, não o fazia com a ênfase nos custos, mas pensando no fluxo da linha. Basta recordar a analogia de “as pedras do rio”, pedras essas que impossibilitam o acréscimo do fluxo. Em termos estatísticos, o que Ohno procurou fazer foi retirar todas as disrupções que contribuem para uma distribuição de probabilidades assimétrica à direita (a longa cauda dos Murphies que fazem inflacionar os tempos – ver novamente a figura anterior)! Para os mais entendidos, pretende-se remover primeiro as causas especiais para então endereçarmos as causas comuns e os problemas crónicos. Mas, com esta visão cega de se querer atingir "one piece flow" só porque sim e em qualquer contexto, torna-se quase impossível aplicar as técnicas de Six Sigma que promoveriam um verdadeiro acréscimo de capacidade do todo. A razão é simples: as ações tomadas pelos especialistas em Lean com vista ao “one piece flow” estão a alimentar, mais e mais, a longa cauda dos tempos, tornado o processo menos previsível. De facto, tanto os esforços para reduzir a variabilidade, como as relações humanas entre os adeptos de Lean e os de Six Sigma podem estar a ir diretamente para o lixo.
Direção da solução
Se nos quisermos aproximar da capacidade potencial da linha, precisamos desacoplar a interdependência das estações, onde verdadeiramente importa. Para isso, precisamos entender quais as estações que mais causam disrupções ao fluxo. Mas, se o princípio da direção da solução é lógico, a identificação das restrições pode estar longe de ser trivial. Não, não temos recursos nem a necessidade de estar a fazer medições pouco exatas e precisas para entendermos quais as estações mais lentas. O método que proponho é um pouco mais simples e por isso mais poderoso. Recuperemos novamente a primeira figura.
Fig. 03. Reconhecimento de que a proteção entre estações é mínima. Visão esquemática de como identificar as restrições da linha de montagem.
O tapete anda, mas as estações estão sempre no mesmo sítio. Se assim é, podemos pintar (ou marcar) no chão uma banda a verde, outra a amarela e outra a vermelho. Quanto maior o tempo necessário para finalizar o trabalho num carro, numa estação específica, mais em apuros essa estação estará, mais ela irá penetrar no verde, depois no amarelo, depois no vermelho e se for caso disso, no preto (zona a seguir ao vermelho). Então, por que não contabilizar para 40 ou 50 carros, e para cada estação, quantas vezes o trabalho ficou concluído no verde, no amarelo, no vermelho ou no preto? Se cada líder de equipa – responsável por cerca de 10 estações – fizer essa contabilização, em pouco mais de um dia e as medições ficam feitas.
De seguida, e escolhendo a moda entre as quatro cores, para cada estação, vamos à procura da sequência de duas estações consecutivas onde se transitou mais de cor (a maior transição será do verde para o preto). Por exemplo, a moda da estação 71 é o verde, mas a moda da estação 72 é o vermelho.
Assim, conseguimos descontar os atrasos acumulativos e ficamos com o consumo líquido do tempo de cada estação. Neste caso, a estação 72 pode ser uma forte candidata para se denominar gargalo ou restrição (necessário comparar com todos os outros pares de estações).
Isto dá, de imediato um grande foco às futuras ações de melhoria. É possível que se passe de 200 estações candidatas a restrição, para não mais do que 6 estações. Cada uma delas estará a consumir cerca de 120 segundos, mas o que nos impede agora de entender muito bem, o porquê desses tempos? Colocando um buffer de tempo antes de cada restrição e um buffer de espaço a seguir à mesma, e com as técnicas adequadas de Lean Six Sigma podemos reduzir, muito rapidamente, o tempo de ciclo da linha de 120 segundos para 93 segundos. Imagine-se que antes das melhorias produzem-se 600 carros por dia. Libertar 27 segundos de tempo de ciclo implica passar de 600 para 774 carros, com os mesmos recursos. Um aumento de produtividade (haja mercado) de 29%.
É claro que isto é um ciclo de melhoria sem fim, mas o método da verdadeira melhoria contínua é este. É isto que dá mais significado ao trabalho e não aquelas pequenas melhorias espalhadas por todo o lado, com muito folclore, mas sem impacto. Considero que isto são muito bons resultados, e espero que o leitor concorde comigo.
Conclusão
Será que toda o enquadramento e problema relatado fazem parte de um imaginário, ou consegui relatar a sua realidade? Lanço-lhe um desafio: olhe para a sua implementação de Lean e se não estiver a ver um impacto DIRETO no lucro líquido, cada vez maior, faça só uma pergunta: porquê? E depois, procure ver se a sua resposta explica um OUTRO efeito que à data de hoje já existe na sua empresa. Se o conseguir observar...bingo: a sua resposta ao porquê estará, provavelmente, certa. Boa sorte!
REFERÊNCIAS
[1] Goldratt, Eli. (2012) - Implementing TOC for operations in an "I type" plant. www.toc.tv
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