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  • Foto do escritorRicardo Anselmo de Castro

CONTABILIDADE, QUE CONTABILIDADE?

Atualizado: 23 de abr. de 2022


(Sei que está um dia cheio de Sol, o que não ajuda a ler a seguinte história real) mas, gestores...façam um favor a vocês mesmos, pois quanto mais tempo poderemos tolerar este tipo de gestão?


Palavras-chave: modelos de custeio, throughput accounting




Enquadramento

Em 1982, uma empresa de elevada dimensão (receitas de 10 mil milhões de dólares) apresentava prejuízo, pela primeira vez, em 20 anos. Não é que o prejuízo fosse por aí além, mas era a primeira vez que isso acontecia, deixando os acionistas em alerta. Foi decidido reformar «antecipadamente» o então CEO e contratar um outro com sangue na guelra. Um que dizia que «a gestão não é um concurso de popularidade». Como se diz em inglês, ele era um «tough cookie».


Uma das primeiras medidas tomadas foi pedir para que se fizesse uma lista de todos os produtos que estavam a ser produzidos «em casa». A empresa produzia e comercializava todo o tipo de peças e componentes para tratores, portanto pode-se imaginar a enorme variedade de produtos. A ideia era entender quais os que deveriam ser produzidos em casa, daqueles que deveriam ser comprados. A lógica era clara: adquirir ao exterior, os produtos cujo preço fosse inferior ao seu custo atual. Após receber a lista com essa análise, o CEO não ficou admirado por a empresa estar a perder dinheiro. Em consequência, colocou de imediato o seu plano em prática: se o preço unitário do produto é inferior ao seu custo unitário, então deixar de produzi-lo e comprá-lo ao exterior.


Pergunta: será que todo o custo descrito no papel iria desaparecer na realidade, após a implementação destas ações? Bom, talvez algum custo direto. Talvez fosse possível despedir esta ou aquela pessoa, mas...a maior parte do custo ir-se-ia manter. Isto é, é possível despedir uma máquina? É possível despedir um edifício? É claro que não. Logo, não só uma boa percentagem dos custos não foi embora, como também esses produtos passavam agora a ser comprados a um determinado preço (isto para não falar na degradação da qualidade de serviço, já que, por norma, o tempo de aprovisionamento aumenta, sempre que subcontratamos).


Como bom CEO que era, tempos mais tarde ele fez follow-up às suas ações e pediu um relatório atualizado. Na verdade, os resultados continuavam negativos e, segundo a nova lista ele foi ainda mais radical, ao cortar mais peças e componentes. A razão é simples: os produtos que ainda eram produzidos em casa tinham agora que suportar todos os custos fixos, isto é, tinham que absorver todos os custos. O que antes estava diluído por mais produtos, estava agora agregado aos sobreviventes! Em consequência, o custo unitário desses produtos feitos em casa subiu, tornando-os menos atrativos para serem produzidos pela empresa!


Esta é uma prática totalmente admissível, ainda nos dias de hoje.


Mas, há mais. Uma outra questão foi por ele levantada:

- Onde estão os nossos maiores investimentos?


Pergunta de fácil resposta:

- Os nossos maiores investimentos são as fábricas. Cada uma de 1000M de dólares!

- Qual a eficiência de cada fábrica? - perguntou novamente.

- Bem... - responderam - esta está a 92%, esta a 88%, esta a 94%, etc...

- Não - disse ele. Estes investimentos sentem-se em todos os dias da semana, e as fábricas só trabalham 5 dias por semana a dois turnos. A eficiência destas fábricas não está nos 90%, mas antes nos 50%! Vamos trabalhar todos os dias, 24 sobre 24 horas para aumentar a sua eficiência!

- Mas chefe, não temos encomendas em quantidade suficiente.

- Não tem mal. Vamos usar o nosso «forecast» e antecipar algumas!

- Mas não temos dinheiro para comprar matéria-prima.

- Não tem mal, eu trato disso.

E de facto ele era muito habilidoso. O CEO pediu empréstimos a 206 bancos diferentes e, com isso, conseguiu atingir níveis de eficiência nunca antes vistos. O problema é que já começava a haver falta de espaço para colocar tantos produtos acabados.

E o que revelou a demonstração de resultados do período seguinte? Revelou que a empresa tinha feito lucro, claro! Porquê?


Se olharmos para a rubrica «variações nos inventários da produção» (diferencial de produto acabado para um determinado período), chegamos à fácil conclusão que o seu valor, nesta empresa aumentara drasticamente e, como se sabe, este campo é visto como um rendimento. Ou seja, ele leva um sinal + na demonstração de resultados! Chama-se a isto de lucro artificial (prática totalmente admissível no mundo da gestão). Mas já não aprendemos nós, com os Japoneses, que o inventário é um passivo e não um ativo?


Gestores...decidam-se! O inventário não pode ser passivo e ativo ao mesmo tempo!

O CEO recebeu «meritoriamente» um bónus ao final do período, mas...isto é algo que não é sustentável, se o mercado não comprar esses produtos. Na verdade, o inventário era tão elevado que o mesmo reconheceu que não poderia continuar a gerir deste modo. Ele despediu-se, a empresa mudou de nome e, pior do que tudo isso, 30.000 pessoas foram despedidas. Os produtos foram vendidos a valores abaixo do seu custo, a ponto de os agricultores acharem que, mesmo não precisando de tais equipamentos, ainda assim valeria a pena adquiri-los, tal era a pechincha. Mas, nos dois anos seguintes houve uma seca, e muitos agricultores também foram à falência.


Moral da história: quando se alocam custos ao inventário a realidade sai distorcida e torna-se uma questão de sorte o processo de decisão.

Às vezes a «contabilidade dos custos» (a contabilidade tradicional) acerta na solução; às vezes falha por completo. A alocação de custos é arbitrária e, enquanto as decisões forem tomadas nesta lógica as empresas continuarão a perder muitas oportunidades para fazer mais dinheiro (no melhor cenário), ou continuarão a perder dinheiro (no pior cenário). Não tenho conhecimento das faculdades em Portugal passarem esta mensagem e de mostrarem a urgência de transitarmos para a contabilidade dos ganhos defendida pela Teoria das Restrições. Mas espero estar errado e a cometer uma injustiça, apenas devido à minha ignorância.



Direção da solução

Há várias formas de mostrar as falácias da contabilidade dos custos, da contabilidade de gestão, da gestão ABC ou qualquer outro nome que se queira chamar. A contabilidade (e as finanças) de uma empresa são as responsáveis por avaliar:

  • O sistema como um todo (daí a demonstração de resultados ou o balanço)

  • Os investimentos

  • A possibilidade de comprar fora versus fazer em casa

  • Os centros de lucro

  • Se compensa produzir ou não um determinado produto e encontrar o melhor mix


Acontece que seja qual for o tipo de contabilidade de custos utilizada, nenhuma reconhece a existência de restrições num sistema e, consequentemente, acaba por ser um tiro de sorte se a decisão final coincidir com a melhor decisão para a empresa.

Surpresa: não é preciso calcular o custo de um produto (nem se deve) para se entender qual o melhor mix que mais beneficiará a empresa.

As restrições são quem ditam a velocidade a que a empresa faz dinheiro e condicionam, em muito, os próprios níveis de inventário (parte do investimento). Por isso, ou controlamos as restrições ou serão elas a controlarem o destino da empresa. Em vez de se identificar, em primeiro lugar, as restrições da empresa, a contabilidade dos custos envereda por outros caminhos, ou procurando alocar o inventário aos produtos, ou assumindo que ao se reduzir o custo unitário de um produto a empresa será mais rentável. Nada poderá estar mais longe da verdade porque o custo unitário é uma abstração matemática. Imagine uma empresa que tem uma despesa operacional mensal na ordem dos 100.000 euros e que tem o azar de vender apenas uma unidade de um produto nesse mês. No segundo mês consegue duplicar a produção (duas unidades) com praticamente as mesmas despesas. No primeiro mês dizemos que o custo unitário é de 100.000 euros. No segundo mês dizemos que o custo unitário já é só de 50.000 euros. Repare-se que o custo unitário caiu para metade, mas aquilo que a empresa tem que efetivamente pagar continuará a ser de 100.000 euros. Não há por isso qualquer tipo de relação entre a entidade local - o produto - e a global - a empresa. Surpresa: não é preciso calcular o custo de um produto (nem se deve) para se entender qual o melhor mix que mais beneficiará a empresa.


Mas não se pense que esta questão só se coloca quando procuramos o melhor mix de produtos. O que acontece quando se pretende adquirir uma nova máquina (investimento), que não corresponde à restrição? Qual será o retorno deste investimento? Zero. Qual o payback? Infinito. Alguém ainda poderá dizer que devido ao novo investimento, aquelas três pessoas poderão ser mais úteis num outro departamento. So what, se as despesas operacionais das três pessoas para a empresa se manterão? A menos que se diga que as pessoas serão despedidas. Algo que costuma cair por terra quando se pede o nome exato dessas pessoas. Por outro lado, se o despedimento vier a acontecer, então as iniciativas e programas de melhoria contínua têm os dias contados. Ninguém quererá continuar a melhorar a empresa cuja recompensa é o próprio despedimento.


O que se costuma fazer, em vez de identificar a restrição é começar a fazer cálculos complexos com drivers de custo (custeio ABC) e um sem fim de pressupostos, para quantificar quantos minutos iremos poupar com o investimento, e qual vai ser a previsão de vendas no próximo ano. Isto para recalcular, novamente, o custo unitário de cada produto. Chega de tanta sofisticação que só torna a vida miserável e sem resultados.

Quanto à questão de comprar Vs fazer, penso que não é preciso elaborar mais, depois da história verídica inicialmente relatada.



Conclusão

Precisamos sempre de identificar, em primeiro lugar, a restrição da empresa e isso a contabilidade dos custos não faz. Mesmo que fizesse, a contabilidade dos custos continuaria a explorar a restrição de forma a minimizar os custos porque o pressuposto é que uma empresa com custos menores é mais lucrativa. Seria (sempre) verdade se o mundo fosse linear. Mas a linearidade, a última vez que a vi foi nos livros dos primeiros anos do curso de engenharia. É preciso entender bem as relações de causa e efeito para não sermos ingénuos a ponto de olharmos para a realidade de forma totalmente distorcida e, com isso, obtermos resultados muito longe do desejável. Depois de identificar as restrições do sistema seguem-se mais quatro passos, mas isso ficará para um próximo artigo. Primeiro, vamos identificar a restrição. De acordo?



REFERÊNCIAS

[1] Godratt, E. (1999). Goldratt Satellite Program – Finance and Measurements.


[2] Corbett, T. (1998) Throughput Accounting, Norh River Press.

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