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  • Foto do escritorRicardo Anselmo de Castro

O CAMINHO SINUOSO DAS CTQ AO CÁLCULO DO RTY

Atualizado: 16 de dez. de 2022


O artigo procura objetivamente explicitar a definição de importantes conceitos usados em qualquer projeto Six Sigma e como, a partir daí, se pode chegar a uma correta caraterização de um processo, produto ou serviço, em termos do seu desempenho. O artigo assume que o leitor tem pelo menos conhecimentos de Six Sigma ao nível de green belt.


Palavras-chave: CTQ, RTY, Seis Sigma, rendimento





Enquadramento

Quando os conceitos não estão claros ou bem definidos cria-se a receita perfeita para a confusão, medições de fraca qualidade, más decisões, e tudo o que isso acarreta. Mas antes de definirmos alguns conceitos do mundo Six Sigma é importante responder por que razão estamos interessados em apurar e melhorar as CTQ (Critical-To-Quality) de um processo. Na verdade, este interesse assenta no pressuposto de que a qualidade de um produto ou serviço é proporcional à qualidade do próprio processo, e que não é possível satisfazer um cliente se o produto/serviço não for ao encontro das suas necessidades. Por sua vez, a sustentabilidade do negócio está diretamente dependente da satisfação dos seus clientes.


Numa linguagem matemática, a razão para querermos apurar e melhorar as CTQ de um processo pode ser descrita da seguinte forma:


Se

Sustentabilidade do negócio = f(satisfação do cliente, …)


e

Satisfação do cliente = f(qualidade do produto/serviço, …)


e

Qualidade do produto/serviço=f(CTQ do processo,...)


Então,

Sustentabilidade do negócio = f(CTQ do processo, …)



Definições Operacionais

CTQ – é uma caraterística mensurável, sujeita a variações no espaço-tempo e que, se não satisfeita / não garantida irá (muito) provavelmente causar insatisfação no cliente.


Oportunidade – cada CTQ é uma oportunidade (para deixar o cliente satisfeito ou insatisfeito). Se a CTQ é satisfeita / garantida diz-se oportunidade para o rendimento. Se não é satisfeita / não garantida diz-se oportunidade para o defeito. Vemos assim que CTQ e oportunidade são duas faces da mesma moeda.


Oportunidade cinética e ativa – é quando são conhecidas as especificações da CTQ e quando esta é medida e regularmente reportada. Num projeto Six Sigma consideram-se apenas as oportunidades cinéticas e ativas para não se levar em conta oportunidades «irrelevantes» e com isso inflacionar-se artificialmente o nível sigma, quando se agregam várias CTQ (ou oportunidades) na fórmula:




Recorde-se que o nível sigma é sempre calculado a partir da métrica DPMO (Defeitos por Milhão de Oportunidades).

Defeito – é uma CTQ não satisfeita (criando-se insatisfação no cliente). Na contabilização do número de defeitos são todas as oportunidades que podendo ter acabado em rendimento, acabaram em defeito.


Especificações – as especificações procuram balizar o intervalo de valores para os quais uma CTQ deve operar. É de esperar que as especificações sejam da mesma natureza da própria CTQ (ambas contínuas ou ambas discretas).


Unidade – em Six Sigma, é a entidade que serve de base para medir o nível de desempenho de um processo, produto ou serviço. Uma unidade tem, por norma, mais do que uma CTQ, embora para um projeto específico o âmbito possa incidir apenas numa CTQ.



Desafios na aplicação dos conceitos

Imagine-se uma loja que vende cupcakes. De forma genérica pode-se dizer que o cliente quer cupcakes e um serviço, ambos de qualidade. Como uma necessidade é sempre vaga e pouco mensurável, depois de aplicar algumas técnicas da Voz do Cliente, a equipa chega à conclusão que a pode desdobrar em:

  1. Variedade dos produtos

  2. Velocidade do serviço

  3. Qualidade dos ingredientes


Ainda assim, o que é muita variedade para uma pessoa pode ser pouca para outra. A equipa considerou por isso que deveria continuar a fazer uso da árvore CTQ. O seu nível 3 foi descrito da seguinte forma:


1. Variedade dos produtos

a. Os tipos de cobertura que a loja comercializa (DB)

b. Existência de outras opções para a época do ano (DB)


2. Velocidade do serviço

a. Os clientes não esperam mais do que um minuto na fila (C)

b. Quando atendidos o seu pedido é satisfeito em cinco minutos (C)


3. Qualidade dos ingredientes

a. Cada ingrediente está listado no menu (DB)

b. Estão listadas as calorias para cada produto (DB)


DB variável Discreta Binária

C variável Contínua


Repare-se que cada frase, de 1a a 3b pode ser vista como uma CTQ «sólida e objetiva», pois todas elas têm uma especificação explícita ou implícita. Por outro lado, só o negócio poderá dizer o que é regularmente medido e reportado. Vamos, contudo, admitir que se a equipa fez este levantamento quanto aos requisitos do cliente (e posteriormente por ele validado), então cada CTQ ou oportunidade é, de facto, Cinética e Ativa.


Para avaliarmos o desempenho do negócio em função destas CTQ, a primeira coisa a fazer é definir o que é a unidade. Talvez neste caso a unidade seja a encomenda feita por cada cliente que pede um ou mais cupcakes, quando se dirige ao balcão. De imediato, vemos que as unidades não serão todas homogéneas porque haverá encomendas maiores e outras menores. Ainda que isto possa trazer ruído nas medições e alguma confusão quanto ao entendimento da qualidade do negócio, não deixará de ser legítimo medirmos desta forma, porque poderemos chegar à conclusão que grandes encomendas terão de ser geridas de uma outra forma. Em alternativa a esta via, poderíamos definir a unidade como sendo cada cupcake entregue. Sim, mesmo num mundo Six Sigma, muitas vezes precisamos avaliar as situações de vários ângulos e seguir aquilo que nos parece ser mais razoável.


Em segundo lugar, e face ao conhecimento do próprio negócio, a equipa poder-se-á focar em apenas uma CTQ, em particular, ou em todas, em simultâneo. Sem mais informação de momento, a equipa pode constatar que a variação de 3a e 3b ao longo do tempo e de cupcake para cupcake será muito reduzida e fácil de a eliminar.


Recordemos que a redução da variação é um objetivo inerente a qualquer projeto de Six Sigma, principalmente quando esta afeta mais o negócio e as causas são menos evidentes. Ficamos assim e para já com as primeiras quatro CTQ para serem melhoradas no decorrer do projeto.



Plano de recolha de dados

Entre vários pontos a ter em consideração no plano de recolha de dados, rapidamente vemos que a cadência a que as coisas variam em cada CTQ é distinta. Por exemplo, é de esperar que as variações na existência de outras opções da época (inverno Vs verão) – CTQ 1b – oscile menos do que os tempos apurados na fila de espera – CTQ 2a. Por exemplo, é possível que as opções ao dia de hoje sejam iguais, em número, às opções do dia de amanhã. Contudo, o tempo de espera na fila pode variar de uma hora para a outra. Estes pontos têm que ser tidos em consideração, se quisermos interpretar corretamente a realidade. Não sendo este o foco do artigo deixemos por agora estas preocupações quanto ao plano de recolha de dados para um segundo plano.



Caraterização As-Is

Comecemos então pelas CTQ 2a e 2b. Sendo variáveis contínuas e havendo limites de especificação superior para cada uma conseguimos, a partir de um plano de recolha de dados e checklists, medir a capabilidade do processo. Consideremos que mediante a recolha de várias amostras ao longo do tempo e agregando esta informação em um histograma para estas CTQ se chega à conclusão que

DPMO 2a = 13000 e DPMO 2b = 23118.


Fig. 1. Capabilidade da CTQ 2b.


Suponhamos que a unidade é cada cupcake. Para a CTQ 1a (tipos de cobertura que a loja comercializa) há a expetativa de se ter disponível todas as coberturas comercializadas. Assim, na altura de cada encomenda, a equipa pode contabilizar, quantas vezes não se consegue ir ao encontro das expetativas do cliente. Por exemplo, para uma encomenda específica de 5 cupcakes, foi pedido 2 com cobertura de baunilha e 3 com cobertura de chocolate. No caso da baunilha não estar disponível, contabilizam-se 2 defeitos numa amostra de 5. Admitamos então que depois de garantir aleatoriedade e representatividade, e considerando 12 oportunidades para o defeito (uma por cada cobertura e a empresa publicita que existem 12 coberturas), o DPMO para 1a vale 3968. Finalmente e de forma análoga, o DPMO 1b vale 10000.


Considerando que os dados foram recolhidos de modo a que nos é possível avaliar o nível sigma de longo prazo (processo sob controlo estatístico, sem causas especiais e durante um período razoável) vemos que:

Fig. 2. Resumo dos defeitos apurados, para cada CTQ (oportunidade) considerada.


Para calcularmos o nível sigma fazêmo-lo sempre relativamente às oportunidades (ou CTQ) e nunca ao produto final, como um todo.

A principal razão deste argumento reside no facto de que por vezes pode ser útil comparar ou fazer benchmarking de produtos e serviços com complexidades distintas. Olhemos para um caso extremo. É legítimo estarmos à espera de encontrar mais defeitos num automóvel, e menos numa garrafa de água, porque o número de oportunidades para o defeito, no automóvel, é muitíssimo superior. Logo, se quisermos comparar qual dos dois produtos apresenta uma qualidade superior (ao nível do número de defeitos), somos obrigados a nivelar estes dois produtos sob o mesmo denominador, isto é, o denominador das oportunidades.


Imagine-se que se encontram 3000 defeitos no final do fabrico de 50 automóveis com 10 mil CTQ cada. Segundo (1), o DPMO correspondente é de 6000. Já para a garrafa de água encontraram-se 15 defeitos em 40 inspecionadas. Cada garrafa tem 8 CTQ. O DPMO respetivo é de 46875. Ou seja, em termos relativos, o produto carro ao nível das oportunidades apresenta uma qualidade superior, em média. Mas a pergunta inocente que uma criança de cinco anos pode colocar poderá bem ser: por que razão estaremos interessados em comparar automóveis com garrafas de água? A resposta parcial é: a comparação e benchmarking não se faz só por fazer, mas apenas quando se vê valor nesse exercício.

Fig. 3. Conversão do número de defeitos (1,3%) da CTQ 2a em nível sigma (2,2).


Por agora, o nível sigma da CTQ 2a é o Z correspondente à área de 0,013 (porque DPMO CTQ 2a = 13000) da distribuição normal, ou seja, Z = 2,2 (figura 3). Facilmente podemos repetir o raciocínio para as CTQ restantes, chegando assim aos valores descritos na tabela da figura 4.

Fig. 4. Resumo dos defeitos apurados e nível sigma, para cada CTQ (Oportunidade) considerada.


E isto é o que há dizer sobre o nível sigma, para cada oportunidade (CTQ) referente ao âmbito deste projeto, inserido na loja que vende cupcakes. Mas isto deixa-nos com um problema. Isto é, como avaliar então o processo em termos globais, se o nível sigma está apenas destinado (confinado) às oportunidades?



Métricas de rendimento

De forma mais operacional, a pergunta anterior pode ser reformulada na seguinte: qual a probabilidade de pedir um cupcake e encontrar zero defeitos? Olhando para as quatro CTQ analisadas precisamos converter defeitos em probabilidades. Em certa medida já o fizemos, mas há alguns pormenores dignos de registo. Em primeiro lugar, e por simplificação (algo que nos poderá afastar da realidade e que por isso precisaremos ver caso a caso) admitamos que os tipos de defeito são independentes entre si, ou seja, o desempenho da CTQ 1a, em nada afeta o desempenho da CTQ 2b e por aí fora. Se assim for, poderemos dizer que a probabilidade de se encontrar zero defeitos, para um determinado cupcake ou encomenda (depende de qual foi a unidade utilizada) é igual ao produto da probabilidade de se ter zero defeitos em cada uma das CTQ. Ou seja, o rendimento composto ou o RTY (Rolled Throughput Yield) é igual ao produto dos rendimentos (Throughput Yield) de cada uma das CTQ 1a, 1b, 2a e 2b. Assim, temos:


CTQ 1a:





Para a CTQ 1b:





Para as CTQ 2a e 2b:





A probabilidade de encontrarmos uma unidade livre de defeitos é de 0,951 e é sempre inferior à menor das probabilidades dos fatores que compõem o RTY:







Poderíamos ser tentados agora a transformar esta probabilidade no nível sigma, para termos uma ideia da qualidade «média» do produto final, mas tal iria contra o princípio da Six Sigma que é calcular o Z, ao nível das oportunidades e não ao nível do produto ou serviço.



Conclusão

O artigo procurou mostrar a vertente prática de importantes conceitos no mundo Six Sigma que segundo a experiência do autor são fáceis de ser mal-interpretados e, consequentemente mal aplicados nos próprios projetos. Prova disso são as diferenças entre o artigo presente e a referência [1], quanto às definições apresentadas. Digamos que foram mais de oito anos de amadurecimento. Por outro lado, ficou também evidente que quanto maior o número de CTQ a estudar no projeto, maior o esforço necessário a aplicar e menos significado poder-se-á dar ao resultado proveniente da fórmula em (1), se nela agregarmos as várias CTQ em jogo. Isto porque há uma maior probabilidade de se ter CTQ totalmente distintas ao nível do seu próprio desempenho e, com isso, o DPMO ‘global’ não passará de uma média que pouco poderá dizer acerca do verdadeiro desempenho de algumas CTQ que o constituem.



Nota: Vejamos um exemplo de aplicação de dados discretos contáveis (algo que não foi abordado até agora de forma explícita no artigo). Imagine-se que num processo de pintura é definida uma CTQ como «a chapa pintada, a ter sujidades, precisam ser inferiores a um tamanho 3 (um tamanho pré-definido)». O valor da Oportunidade é igual à área da chapa. Porém, para mantermos a métrica DPMO adimensionalizada é necessário estimar a dimensão média de uma sujidade. Suponha que depois de se recolher uma amostra representativa se conclui que essa dimensão vale, em média, 1mm2. Se a chapa tiver uma área de 3m2, e no caso de se ter apanhado 50 defeitos em 40 chapas analisadas, então o número de DPMO respetivo é 50×10^-6 / (40×3) ×10^6 = 0,4, o que se traduz num Z.LT = 4,9. Já para calcular o rendimento, uma forma aproximada poderá ser via métrica dpu isto é, do total de defeitos encontrados por unidade. Assim,





Ou seja, existe uma probabilidade de 0,29 (ou 29%), ao se escolher aleatoriamente uma chapa, de esta ter zero defeitos.


* Uma nota de agradecimento ao Diogo Moia, Marco Ferra, Miguel Barreiras e Nuno Oliveira por terem contribuído para o aumento da qualidade e clareza do artigo.



REFERÊNCIAS

[1] Castro, Ricardo A. (2012) Lean Six Sigma – para qualquer negócio, 3.ª edição, IST Press.


[2] Harry, M. (2003) Resolving the mysteries of six sigma. NY Times and Business Week.


[3] (Abril 2020) https://www.sixsigmadaily.com/critical-to-quality-ctq-tree-definition-example/

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