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  • Foto do escritorRicardo Anselmo de Castro

DEFINIR ONDE COLOCAR A RESTRIÇÃO É UMA DECISÃO ESTRATÉGICA

Atualizado: 23 de abr. de 2022


O artigo explora a ideia original de Eli Goldratt, de que a restrição de uma empresa, em termos estratégicos, deve ser interna, se quisermos garantir a execução de uma boa estratégia.


Palavras-chave: restrição, ponto quente, estratégia, produtividade




Enquadramento

As restrições são responsáveis pelo throughput da empresa e parte do seu investimento. Logo, importa definir onde elas se devem situar. Comecemos por expor quais os requisitos mínimos para se considerar que uma estratégia é uma boa estratégia (algo abordado no artigo «Estabelecer as regras-chave de um sistema de medição»).


Fig. 1. Cluster de objetivos (different identicals).


Para Goldratt, basta o requisito ou 1, ou 2, ou 3 não estar presente para automaticamente podermos afirmar que se trata de uma má estratégia. Não é que as empresas não reconheçam esta trilogia. A questão é que se fosse assim tão fácil, a maioria estaria a praticar esta estratégia. Para entender porque não é esse o caso na maioria das empresas precisamos recuperar a nuvem que Goldratt apresentou no último vídeo da série GSP, em 1999:

Fig. 2. Conflito inerente a qualquer boa estratégia.


Facilmente conseguimos associar cada parte da boa estratégia descrita na figura 1, com os balões da figura 2:

  1. Fazer dinheiro agora e no futuro está totalmente relacionado com a frase “converter melhorias locais em resultados bottom-line”, isto é, resultados com impacto direto na demonstração de resultados.

  2. Garantir a segurança e a satisfação dos colaboradores agora e no futuro está totalmente alinhado com o requisito mínimo de “não despedir pessoas”.

  3. Satisfazer as necessidades do mercado agora e no futuro tem que ver claramente com “colocar a empresa num processo de melhoria contínua”. De contrário, é uma questão de tempo até ficarmos para trás e a empresa sucumbir.


Parece óbvio.


Acontece que existe, como em qualquer nuvem, um enorme conflito percecionado: enquanto que o ponto 2 está num ramo, o ponto 1 está do ramo oposto, isto é, se por um lado é necessário não despedir pessoas, por outro lado é preciso despedir pessoas, precisamente dos departamentos que mais melhoraram.



Direção da solução

Precisamos entender um pouco melhor o pressuposto que nos dá mais a volta à barriga, que será: para converter melhorias locais em resultados com impacto na demonstração de resultados é preciso despedir as pessoas dos departamentos que mais melhoraram PORQUE (e agora o pressuposto)…porque já não temos mais o que fazer com elas. Por outras palavras, tornamo-nos tão produtivos, ao final de alguns projetos de melhoria, que criámos um excesso de capacidade, acabando por mover a restrição para o mercado.


Rapidamente nos apercebemos da enorme injustiça e cinismo que há em (muitas) empresas:


a nota de agradecimento às pessoas que ajudaram a melhorar a empresa é o seu próprio despedimento.

Infelizmente, este é um pressuposto que é verdadeiro em (muitas) empresas. Como é que podemos torná-lo falso? Sim, abrindo a capacidade do próprio mercado. Dito de outra forma, precisamos garantir que a restrição é sempre interna!

Fig. 3. Direção da solução de uma boa estratégia.



Pormenores da solução

Vejamos as implicações da direção da solução descrita.

A altura de cada coluna da figura 4 representa a capacidade, num determinado instante de tempo. Isto significa que haverá oscilações, mas que em termos médios serão essas as alturas de cada barra. Do ponto de vista da empresa, capacidade significa volume de output – a capacidade de entregar, de produzir, de oferecer, etc. Do ponto de vista do mercado, capacidade significa o volume de absorção – a capacidade de adquirir – a procura existente. Não devemos, contudo, interpretar a capacidade do mercado como de TODO o mercado potencial, mas antes o mercado que está mais próximo da empresa (não necessariamente no sentido geográfico), mas mais sob encomendas firmes ou intenções de compra.


Fig. 4. Diferenças entre restrição interna e restrição externa.


Assim, pelo cenário à esquerda diz-se, sem sombra de dúvida que neste momento a restrição é interna porque se a capacidade de entregar ou produzir fosse maior, o tempo de espera no mercado seria inevitavelmente menor e as vendas aumentariam. Já no cenário à direita a ideia é a inversa: a restrição é externa porque a empresa tem mais do que capacidade para satisfazer toda a procura (na sua vizinhança).


A primeira pergunta que nos vem à mente poderá bem ser uma que nos ajude a validar a direção da solução: haverá uma maior estabilidade quando a restrição é interna ou quando é externa? Se estabilidade significa garantia do posto de trabalho, então claramente que é quando a restrição é interna.


Segunda pergunta: em qual dos cenários será mais fácil fazer mais dinheiro agora e no futuro? Se por um lado a resposta mais defensiva e menos arriscada é ‘depende’, por outro é quase sempre muito mais fácil libertar capacidade interna, por oposição a explorar mais mercados. Logo, a resposta é novamente, o cenário da restrição interna.


As linhas a tracejado mostram, em cada cenário o fator limitante, aquele que não permite vender mais. No lado esquerdo a linha a tracejado coincide com a capacidade da empresa (restrição interna) e no lado direito a linha a tracejado coincide com a capacidade do mercado (restrição externa).


O que significa o hiato entre as alturas das barras? Para isso precisamos descrever mais cenários (ver figura 5). O primeiro e mais à esquerda mostra que toda a estratégia da empresa está a ser subaproveitada porque há um claro hiato entre aquilo que se consegue produzir e aquilo que se poderá vender (traço cheio cinzento). Naturalmente que, mesmo aumentando a capacidade de oferta ninguém verá perigo no que diz respeito à segurança dos postos de trabalho. Faz por isso sentido trabalhar nos processos internos para que com isso se liberte capacidade e se atinja um novo patamar de desempenho (fornecendo com isso um melhor nível de serviço).


Fig. 5. Diferenças de desempenho, mesmo para quando a restrição é sempre interna. Interpretação de cada hiato


O segundo cenário mostra que as capacidades estão já mais equilibradas. Neste sentido, a empresa fez o que deveria ter sido feito: explorou corretamente a restrição, libertou capacidade e melhorou os níveis de serviço. Tudo isto sem colocar os postos de trabalho em causa (traço cheio vermelho). Contudo, se o foco a partir deste momento for apenas de melhorias internas estaremos a fazer aquilo que não deve ser feito, pois poremos em risco uma das partes interessadas mais importantes – as pessoas que trabalham em determinados departamentos. Impõe-se avançar para a capitalização das valências internas entretanto criadas (por exemplo os tempos de entrega reduzidos e um ótimo cumprimento de prazos). Chegamos assim ao terceiro cenário: a altura do hiato mantém-se, pois tanto a capacidade da empresa como do mercado aumentaram. Isto implica a total sincronia entre as operações, o marketing e as vendas (algo que está quase sempre em falta nas empresas). A partir daqui entra-se numa dança de equilíbrios entre capacidades, mas sempre com o objetivo de elevar mais e mais a restrição interna.

Por fim, o cenário onde não se quer estar (figura 6). Por alguma razão, parece que ninguém viu algum mal em continuar a melhorar as operações internas e, pior ainda, alguém se esqueceu de ir atrás de mais mercado. É nestas situações em que o pressuposto evidenciado no conflito se torna real, colocando em causa a segurança dos postos de trabalho e até a segurança da própria empresa. A estratégia fica por definição em perigo.


Fig. 6. Estratégia em perigo. As despesas operacionais estarão a pesar em demasia (o que é o mesmo que dizer que se está a vender pouco).


Um ponto muito importante relacionado com o posicionamento da restrição tem que ver com a definição de ‘proteção’. A proteção de um sistema pode ser objetivada de diversas formas, mas qualquer que ela seja, a intenção é só uma: proteger o desempenho da restrição (e da empresa). Por exemplo, quando se fala de capacidade protetora referimo-nos à capacidade dos recursos de não-restrição. Esta capacidade é fundamental para compensar a variabilidade presente na empresa e para que as não-restrições não se transformem em recursos de capacidade restrita. Um outro tipo de proteção diz respeito ao buffer de capacidade (desta vez aplicado às próprias restrições). Ao se definir estrategicamente o valor desse buffer, está-se a reconhecer que elas também têm incertezas.


Exemplo: vamos assumir que a capacidade real da empresa num determinado momento é de 100, ou seja a capacidade na própria restrição. O cerne está em não planear as coisas de modo a explorar a restrição a um equivalente de 100, porque de quando em vez os imprevistos atacarão a própria restrição. Logo, se queremos cumprir as nossas promessas, deveremos ser menos gananciosos e planear as coisas como se, na verdade, a capacidade da restrição fosse apenas de, por exemplo, 90 (a diferença entre o tempo necessário para se fazer os 10, em condições normais, é o próprio buffer de capacidade).


De facto, se não existir algum tipo de proteção, seja em termos de buffers de tempo, de stock, de dinheiro ou de recursos, mais cedo ou mais tarde os imprevistos aparecerão e todas as promessas feitas aos clientes cairão por terra (colocando o próprio negócio em risco). Esta proteção não pode por isso ser vista como um luxo, mas como uma inegável necessidade. Naturalmente que depois há perguntas de foro mais operacional que forçosamente se colocam: quanto de proteção necessitamos? Quando é que a proteção passa a ser excessiva e por isso um desperdício? Em parte, a resposta é obtida através de mecanismos de controlo e de medição lógicos. Em parte, a resposta é obtida também pelo próprio nível de ‘paranoia’ e ambição (para não lhe chamar ganância) da própria gestão de topo. Uma ilustração:


Quando a restrição é interna, a gestão de topo tem que ter a coragem para rejeitar uma encomenda, de quando em vez, se de facto quiser levar a sério o cumprimento de prazos e a sua vantagem competitiva (isto pode acontecer porque o prazo de entrega é superior àquele que o cliente está disposto a esperar).

Mas há ainda uma última pergunta: mesmo quando a restrição é interna à empresa, onde a deveremos colocar? Num sítio que é fácil de explorá-la e elevá-la, ou onde é difícil de o fazer? Colocar a restrição onde é fácil quebrá-la e não fazê-lo seria um autêntico disparate e desperdício, pois o throughput poderia ser facilmente maior. Para quê, então, criar uma limitação falsa? Daqui se conclui que, estrategicamente, a restrição deve corresponder a um ponto da empresa onde não é nada fácil, pelo menos no curto ou médio prazo, de elevá-la. Sob esse cenário, a gestão de topo estará, por agora, de consciência tranquila.



Conclusão

Se quisermos implementar uma boa estratégia que seja ao mesmo tempo exequível na empresa, precisamos fazer as coisas de modo a que (quase sempre) a restrição é de natureza interna. Para isso, precisamos ser sérios na implementação dos cinco passos de foco da Teoria das Restrições, com especial importância para aquele que é o mais difícil de todos, o terceiro passo – a subordinação. Como será compreensível, a decisão de onde colocar a restrição é da responsabilidade da gestão de topo e, consequentemente, estratégica.



REFERÊNCIAS

[1] Goldratt, E. (1999). Goldratt Satellite program – Strategy and tactics.

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